quarta-feira, 2 de junho de 2021

Caravelas

 Fui condenado, não há muito o que fazer, exceto cumprir minha pena.

Minha prisão não se limita por um espaço físico ou mental.

Eu sou livre nos pensamentos da prisão. Ando por ai, igualmente livre, pelos pátios, ruas, avenidas da prisão.

Então, você pensa tardiamente: Qual o crime?

Não importa.

As caravelas ao longe parecem uma miragem ou um quadro igual a tantos outros.

Imagem que surge em algum lugar enquanto vejo os carros passarem.

As palavras me fogem enquanto corro para juntá-las.

Todas as pessoas parecem engrenagens de carne e rancor fazendo girar a máquina invisível.

O pássaro está preso no céu assim como estou preso à vida.

 

quinta-feira, 8 de abril de 2021

A visita

            Sim eu sei, acho que foi ontem ou anteontem...

Não, não estou falando contigo. Não há mais ninguém aqui, eu estava pensando alto.

Fique à vontade.

Pela sua expressão de confusão e por não ter falado nenhuma palavra, vejo que não está entendendo muito bem, mas não tem problema, logo compreenderá.

Sim, pode se sentar aí mesmo.

Bem vejamos, eu estava aqui tentando repassar a minha vida, alguns pontos importantes para te contar algo interessante. Prometo que tentarei levar o assunto à sério, apesar do meu senso de humor incomum que logo experimentará, ou não...

Eu sempre tive uma pré-disposição ao espetáculo, devo confessar. Desde criança eu chamava a atenção criando personagens e histórias fantásticas. Quando adolescente fiquei impressionado com os bateristas de rock, esse foi o primeiro momento decisivo da minha vida, por assim dizer. Nesse mesmo dia comecei uma grande chantagem emocional com os meus pais para comprassem uma bateria para mim. Depois de algumas semanas e muitos pedidos finalmente compraram uma bateria. Uma bateria usada devo confessar, e também muito velha, por assim dizer.

O som dela era incrivelmente muito alto. Enquanto eu batia nos tambores, eu via minha mãe abrindo e fechando a boca, muito provavelmente gritando para eu parar, porém eu não ouvia sua voz em meio aquele barulho descompassado.

Alguns meses depois eu formei minha primeira banda, todos eram terríveis músicos. Nessa época eu era apaixonado por uma garota, não lembro o nome dela, vamos chama-la de V.

Como assim? Porque eu não lembro do nome da Vitória.

Bem, voltando ao assunto... Passamos meses ensaiando todos os dias e nos tornamos apresentáveis, eu ficava maravilhado ao ouvir o som que fazíamos através de uma gravação em fita k7. Não dava para ouvir direito, mas a bateria se sobressaia. Eu podia escutar os tambores e pratos, ao fundo sons distorcidos e o vocalista berrando para ser entendido. Lembro que uma vez ele quase desmaiou gritando enquanto fazíamos uma cover do Tool.

Um ano e meio se passou desde esse ponto decisivo na minha vida, eu disse que esse era o primeiro? Sim, sim.

Nos apresentávamos em bares próximos do nosso bairro. Todos éramos vizinhos, morávamos na mesma rua, exceto eu. O guitarrista tinha familiar em comum com a diretora da nossa escola, todos estudávamos lá, exceto eu. Um dia alguém deu a ideia de tocarmos num evento de final de ano.

De início achei a ideia maravilhosa e todos da banda também, mas logo veio a insegurança de tocar para um público que nós conhecíamos diretamente, no caso os demais integrantes, pois eu não estudava lá.

A ideia de ver a V. na plateia me atingiu como um raio enquanto escovava os dentes antes de dormir semanas antes da apresentação. Lembro que nesse dia não consegui dormir, eu olhava para o teto e todas as possibilidades mais absurdas surgiram na minha cabeça. Tentei conversar com um amigo a respeito e decidi que era bobagem me preocupar tanto. Apesar de tudo eu teria a oportunidade perfeita para me aproximar de V. no dia do show.

Ensaiamos muito naquelas semanas preparando grandes covers.

De repente me vi atrás da bateria, todos gritavam agitados e surpresos com o som que estávamos fazendo. A equalização estava ótima, havia sido feita pelo irmão mais velho do guitarrista. Já tínhamos tocado todo nosso setlist. O público queria mais. Então vi naquele momento a oportunidade da minha vida, até então. Fiz sinal para a banda e comecei a fazer um solo de bateria.

Chamei o público batendo palmas com o braço acima da minha cabeça e fiz o melhor solo que conseguia. Todos ficaram impressionados, devo admitir. No final do solo eu lancei as duas baquetas, mas não fiz isso como se devia, pois era necessário lança-las para o alto para que descrevessem um arco no ar até chegar ao público. Eu lancei como uma bola de beisebol e acertei uma moça que estava na primeira fila, era V.

Ela colocou a mão no rosto imediatamente e todos observaram a cena espantados. A outra baqueta acertou um outro rapaz que estava próximo dela. Ele a abraçou e a levou para longe dali.

A banda viu o desastre que eu tinha iniciado e tentaram consertar, começaram imediatamente uma música, nesse momento eu tive que acompanha-los pegando as baquetas reservas. Depois desse show eu nunca mais toquei bateria e nunca mais voltei naquela escola, afinal não foi difícil, porque como já te disse, eu não estudava mesmo lá.

Depois dessa fase, coloquei como meta pessoal escrever um livro, esse certamente foi o segundo ponto decisivo da minha vida... absolutamente. Eu pensei em escrever um livro de um ditador às avessas, que ao invés de restringir a liberdade do povo, ele dava tanta liberdade que o povo não sabia como agir. Dessa forma, o povo se regulava se auto punindo esperando ansiosos que o ditador voltasse a cumprir seu papel vital, para que enfim pudessem se revoltar com um motivo real e justificável. O que foi? parece absurda minha história? Poderia ser um best-seller...

Mas o fato é que nunca escrevi uma linha, e isso foi decisivo. Absolutamente.

Onde eu moro existem muitos cachorros abandonados, você pode ver alguns daqui da janela. Eles andam em grupos ou acompanham alguma pessoa em situação de rua, às vezes são solitários, mas em geral estão em contato com grupos de pessoas ou outros cachorros durante uma parte do seu dia. Apesar de sempre me deparar com esses “cachorros de rua” como chamamos, um deles me chamou muito a atenção me causando um sentimento terrível que levei meses para lidar.

Eu estava indo para o trabalho e perto de uma ponte havia um cachorro de pelos claros. Ele me observou passar, imóvel. Quando voltei do trabalho o encontrei no mesmo lugar. O que me afetou foi que na manhã seguinte, ele ainda estava lá!

Diferente dos demais cachorros, ele estava a esperar. Estava a esperar a família que o havia abandonado. Estava passando fome pelo seu ideal. Se ele saísse dali para caçar comida, por exemplo, a sua família poderia voltar para busca-lo, havendo a possibilidade de não o encontrarem. Sendo assim ele se mantinha firme na espera, com seu olhar triste de quem não tem palavras para descrever o que sente.


Na volta do trabalho lhe ofereci um pedaço de frango, que ele devorou numa velocidade impressionante. Ele se animou e cogitou a possibilidade de ir embora comigo, mas como atingido por um raio ele voltou ao seu posto. Eu segui meu caminho para casa.

Depois desse dia eu não o vi mais, imaginei a possibilidade de a família ter voltado para busca-lo, mas preferi acreditar que ele tivesse sido adota por uma nova. Assim seria menos provável dele ser abandonado de novo.

Olha, eu sei que acabou de chegar aqui e não faz muito tempo que estamos a conversar, mas podemos ir tomar um café lá fora?

Essas escadas são realmente terríveis e a iluminação ajuda a ter um aspecto pior ainda. Sim, também acho que um pouco de tinta ajudaria.

Vamos, por aqui.

Então, voltando ao assunto, eu nunca mais vi o cachorro e isso me lembrou um terceiro ponto decisivo na minha vida... ou seria o quarto?  

Eu estava andando pelo bairro e vi pessoas sorrindo, mas não era um sorriso de felicidade compartilhada, eram sorrisos de chacotas, galhofas, uma certa malicia e maldade nos olhos daquelas pessoas com seus celulares em mãos, como armas. Quando me aproximei para ver do que se tratava encontrei a seguinte cena... peço que não ria antes de ouvir o que tenho a apresentar como análise.

Uma senhora com cerca de 80 anos, cabelos em tons purpuras grisalhos, com óculos, e bolsa estava a passear com uma galinha na coleira.

Pronto, já disse o que vi e agora vamos à análise. Imagino que para aquelas pessoas tal cena era absurda, como alguém poderia passear com uma galinha? Como seria possível almoçar um delicioso frango e passear com a galinha depois disso? Provavelmente a galinha tinha um nome, qual nome seria o mais correto para uma galinha? Os jovens filmavam aquilo aos risos esperando o momento de postar na internet e viralizar, sim a estupidez é viral.

Enquanto seguimos nessa rua, quero te contar agora o lado oposto, vamos mudar de calçada agora para facilitar a troca de perspectiva... não estou te chamando de estupido, jamais! Ah sim, você não tinha pensado nisso, desculpe, às vezes me empolgo com meus pensamentos.

Voltando a velha senhora... Muitas crianças tiveram uma galinha como bicho de estimação, o próprio nome já deixa livre a escolha. Eu posso ter uma lhama de estimação, quem poderia me julgar? A senhora poderia morar sozinha e querer relembrar a sua infância tendo essa galinha, chamaremos ela de Dolores, não... digo o nome da galinha. A senhora poderia também ter recebido a Dolores como forma de herança, ou ter sido o presente de alguém especial. O fato é que Dolores era importante para a senhora, assim como um cachorro é importante para outros.

Imagine o seguinte, há menos de 200 anos os cachorros tinham uma função de caça e guarda, eles tinham essa função prática. Imagine só trazer um homem caçador dessa época a uma festa de aniversário de cachorro? Imagine ele ver um pincher vestido de rosa com um bolo feito de carne? Ele acharia um completo absurdo, talvez risse fazendo também galhofas com o dono do cão. Imagine então, ver um cãozinho sendo carregado como um bebê? Imediatamente acusaria de blasfêmia vociferando palavrões e maldições. Talvez daqui a 200 anos ou menos as galinhas subam na estima da humanidade e sejam tratadas de uma forma cuidadosa, como hoje as pessoas cuidam de gatos e cachorros.

A Dolores seria só mais uma criança e ser “mãe” de galinha ou galo não seria absurdo...               Esse foi o sexto ou quinto ponto decisivo da minha vida, perdi as contas, uma vez que fui tomado por esse sentimento belo e sublime por ela. Digo, pela galinha.

Para terminar o último ponto, vou ser suscinto. A situação era a seguinte, eu trabalhava em um escritório, tinha um cargo de responsabilidade, preparei um material para uma reunião importante com o diretor da empresa e o presidente de uma estatal. Era o maior ponto da minha carreira, e confesso que o trabalho era terrivelmente estressante. Resumindo a história, acidentalmente eu apaguei o material que tinha demorado um mês para fazer. O que aconteceu? Comecei a dançar Fashion do David Bowie, no meio do escritório enquanto chorava de desespero, contrastando com a música feliz e animada. Ninguém entendia o que estava acontecendo.

Vejo que chegamos.

Perceba esse belo entardecer. Existem tons de rosa, laranja, amarelo, azul e cinza. A beleza feita pela poluição e raios de sol. Ali está a minha passagem. Sim é um buraco que dá para um terreno baldio.

Você deve se perguntar, qual a razão de eu estar desse lado do muro e conversando contigo de cócoras através desse buraco. Estou assim, pois aqui é minha casa, desse lado do muro.

Beba o café por nós dois.

Fico aqui. Siga seu caminho com aquela sensação incomoda de quem termina um livro e parece sair de algum lugar e estar em outro, porque em menos de um minuto você não vai estar aqui.

Foi um prazer não conversar contigo.

Adeus.


quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

!

 


O predador do ser humano moderno não é uma fera, é o futuro 

A luta contra  essa não-fera está no presente

O tacape é o agora 

sábado, 17 de outubro de 2020

O Castelo

Meu castelo inalcançável 

Sem lugar para chegar 

Eu era o leão indomável

E o caçador a atirar


Por mais que o grito ecoe 

Não plateia a aplaudir 

O teatro desmorona 

E nos escombros meu acorde 


(Pré-refrão)

Eu perco os sentidos e as palavras 

Eu

Sentido

Palavras


(Refrão)

Vórtice, colibri, mosaicos e fúria 

No silêncio indiferente do universo 

Nós nos inventamos 


A estrela que eu vejo 

Se apagou há muito tempo 

E nessa escuridão 

Uma nova já surgiu


sexta-feira, 9 de outubro de 2020

.

 


Gostaria que daqui a alguns anos uma pessoa que estivesse lendo um dos meus escritos, cutucasse o amigo ao lado e lesse pausadamente uma frase. Depois de terminada a leitura do trecho, ambos contorcessem os músculos da face como se tivessem levado uma martelada na cabeça.

quarta-feira, 1 de julho de 2020

Novo dia

Na parede do meu quarto desenho figuras e neuras 
Rotinas, horários, mensagens se repetem em telas e janelas 
Enquanto estupidos Reis coroam legiões de imbecís
Quem sabe essa festa insana um dia se torne um país
Procuramos um norte, uma luz no túnel uma salvação
Mas a humanidade está com a bússola quebrada 
se afogando em mentiras 
Num mar de informação 

Ainda há esperança
Ela pergunta: ainda há ? 
Quem sabe algum dia
Para nunca mais 

Os profetas nos alto falantes 
Vendem discursos absurdos e incoerentes 
Promovendo cada vez mais desunião 
Somos diferentes e essa é a beleza de ser
Não deixe ninguém te convencer que não 
Um dia tudo passa para uma nova onda surgir 
E nessa pausa que chamamos de vida
Inventamos um motivo para sorrir