terça-feira, 15 de novembro de 2022
quarta-feira, 2 de junho de 2021
Caravelas
Fui condenado, não há muito o que fazer, exceto cumprir minha pena.
Minha prisão não se limita por um espaço físico ou mental.
Eu sou livre nos pensamentos da prisão. Ando por ai, igualmente livre, pelos pátios, ruas, avenidas da prisão.
Então, você pensa tardiamente: Qual o crime?
Não importa.
As caravelas ao longe parecem uma miragem ou um quadro igual a tantos outros.
Imagem que surge em algum lugar enquanto vejo os carros passarem.
As palavras me fogem enquanto corro para juntá-las.
Todas as pessoas parecem engrenagens de carne e rancor fazendo girar a máquina invisível.
O pássaro está preso no céu assim como estou preso à vida.
quinta-feira, 8 de abril de 2021
A visita
Sim eu sei, acho que foi ontem ou anteontem...
Não, não estou
falando contigo. Não há mais ninguém aqui, eu estava pensando alto.
Fique à
vontade.
Pela sua
expressão de confusão e por não ter falado nenhuma palavra, vejo que não está
entendendo muito bem, mas não tem problema, logo compreenderá.
Sim, pode se
sentar aí mesmo.
Bem vejamos,
eu estava aqui tentando repassar a minha vida, alguns pontos importantes para
te contar algo interessante. Prometo que tentarei levar o assunto à sério,
apesar do meu senso de humor incomum que logo experimentará, ou não...
Eu sempre tive
uma pré-disposição ao espetáculo, devo confessar. Desde criança eu chamava a
atenção criando personagens e histórias fantásticas. Quando adolescente fiquei
impressionado com os bateristas de rock, esse foi o primeiro momento decisivo
da minha vida, por assim dizer. Nesse mesmo dia comecei uma grande chantagem
emocional com os meus pais para comprassem uma bateria para mim. Depois de
algumas semanas e muitos pedidos finalmente compraram uma bateria. Uma bateria
usada devo confessar, e também muito velha, por assim dizer.
O som dela era
incrivelmente muito alto. Enquanto eu batia nos tambores, eu via minha mãe
abrindo e fechando a boca, muito provavelmente gritando para eu parar, porém eu
não ouvia sua voz em meio aquele barulho descompassado.
Alguns meses
depois eu formei minha primeira banda, todos eram terríveis músicos. Nessa
época eu era apaixonado por uma garota, não lembro o nome dela, vamos chama-la
de V.
Como assim? Porque eu não lembro do nome da Vitória.
Bem, voltando
ao assunto... Passamos meses ensaiando todos os dias e nos tornamos
apresentáveis, eu ficava maravilhado ao ouvir o som que fazíamos através de uma
gravação em fita k7. Não dava para ouvir direito, mas a bateria se sobressaia. Eu
podia escutar os tambores e pratos, ao fundo sons distorcidos e o vocalista
berrando para ser entendido. Lembro que uma vez ele quase desmaiou gritando
enquanto fazíamos uma cover do Tool.
Um ano e meio
se passou desde esse ponto decisivo na minha vida, eu disse que esse era o
primeiro? Sim, sim.
Nos
apresentávamos em bares próximos do nosso bairro. Todos éramos vizinhos,
morávamos na mesma rua, exceto eu. O guitarrista tinha familiar em comum com a
diretora da nossa escola, todos estudávamos lá, exceto eu. Um dia alguém deu a
ideia de tocarmos num evento de final de ano.
De início achei
a ideia maravilhosa e todos da banda também, mas logo veio a insegurança de
tocar para um público que nós conhecíamos diretamente, no caso os demais
integrantes, pois eu não estudava lá.
A ideia de ver
a V. na plateia me atingiu como um raio enquanto escovava os dentes antes de
dormir semanas antes da apresentação. Lembro que nesse dia não consegui dormir,
eu olhava para o teto e todas as possibilidades mais absurdas surgiram na minha
cabeça. Tentei conversar com um amigo a respeito e decidi que era bobagem me preocupar
tanto. Apesar de tudo eu teria a oportunidade perfeita para me aproximar de V.
no dia do show.
Ensaiamos muito
naquelas semanas preparando grandes covers.
De repente me
vi atrás da bateria, todos gritavam agitados e surpresos com o som que
estávamos fazendo. A equalização estava ótima, havia sido feita pelo irmão mais
velho do guitarrista. Já tínhamos tocado todo nosso setlist. O público queria
mais. Então vi naquele momento a oportunidade da minha vida, até então. Fiz
sinal para a banda e comecei a fazer um solo de bateria.
Chamei o
público batendo palmas com o braço acima da minha cabeça e fiz o melhor solo
que conseguia. Todos ficaram impressionados, devo admitir. No final do solo eu
lancei as duas baquetas, mas não fiz isso como se devia, pois era necessário
lança-las para o alto para que descrevessem um arco no ar até chegar ao público.
Eu lancei como uma bola de beisebol e acertei uma moça que estava na primeira
fila, era V.
Ela colocou a
mão no rosto imediatamente e todos observaram a cena espantados. A outra
baqueta acertou um outro rapaz que estava próximo dela. Ele a abraçou e a levou
para longe dali.
A banda viu o
desastre que eu tinha iniciado e tentaram consertar, começaram imediatamente
uma música, nesse momento eu tive que acompanha-los pegando as baquetas
reservas. Depois desse show eu nunca mais toquei bateria e nunca mais voltei
naquela escola, afinal não foi difícil, porque como já te disse, eu não
estudava mesmo lá.
Depois dessa
fase, coloquei como meta pessoal escrever um livro, esse certamente foi o
segundo ponto decisivo da minha vida... absolutamente. Eu pensei em escrever um
livro de um ditador às avessas, que ao invés de restringir a liberdade do povo,
ele dava tanta liberdade que o povo não sabia como agir. Dessa forma, o povo se
regulava se auto punindo esperando ansiosos que o ditador voltasse a cumprir
seu papel vital, para que enfim pudessem se revoltar com um motivo real e
justificável. O que foi? parece absurda minha história? Poderia ser um
best-seller...
Mas o fato é
que nunca escrevi uma linha, e isso foi decisivo. Absolutamente.
Onde eu moro
existem muitos cachorros abandonados, você pode ver alguns daqui da janela.
Eles andam em grupos ou acompanham alguma pessoa em situação de rua, às vezes
são solitários, mas em geral estão em contato com grupos de pessoas ou outros
cachorros durante uma parte do seu dia. Apesar de sempre me deparar com esses
“cachorros de rua” como chamamos, um deles me chamou muito a atenção me
causando um sentimento terrível que levei meses para lidar.
Eu estava indo
para o trabalho e perto de uma ponte havia um cachorro de pelos claros. Ele me
observou passar, imóvel. Quando voltei do trabalho o encontrei no mesmo lugar. O
que me afetou foi que na manhã seguinte, ele ainda estava lá!
Diferente dos
demais cachorros, ele estava a esperar. Estava a esperar a família que o havia
abandonado. Estava passando fome pelo seu ideal. Se ele saísse dali para caçar
comida, por exemplo, a sua família poderia voltar para busca-lo, havendo a
possibilidade de não o encontrarem. Sendo assim ele se mantinha firme na
espera, com seu olhar triste de quem não tem palavras para descrever o que sente.
Na volta do
trabalho lhe ofereci um pedaço de frango, que ele devorou numa velocidade
impressionante. Ele se animou e cogitou a possibilidade de ir embora comigo,
mas como atingido por um raio ele voltou ao seu posto. Eu segui meu caminho
para casa.
Depois desse
dia eu não o vi mais, imaginei a possibilidade de a família ter voltado para
busca-lo, mas preferi acreditar que ele tivesse sido adota por uma nova. Assim
seria menos provável dele ser abandonado de novo.
Olha, eu sei
que acabou de chegar aqui e não faz muito tempo que estamos a conversar, mas
podemos ir tomar um café lá fora?
Essas escadas
são realmente terríveis e a iluminação ajuda a ter um aspecto pior ainda. Sim,
também acho que um pouco de tinta ajudaria.
Vamos, por
aqui.
Então,
voltando ao assunto, eu nunca mais vi o cachorro e isso me lembrou um terceiro
ponto decisivo na minha vida... ou seria o quarto?
Eu estava
andando pelo bairro e vi pessoas sorrindo, mas não era um sorriso de felicidade
compartilhada, eram sorrisos de chacotas, galhofas, uma certa malicia e maldade
nos olhos daquelas pessoas com seus celulares em mãos, como armas. Quando me
aproximei para ver do que se tratava encontrei a seguinte cena... peço que não
ria antes de ouvir o que tenho a apresentar como análise.
Uma senhora
com cerca de 80 anos, cabelos em tons purpuras grisalhos, com óculos, e bolsa
estava a passear com uma galinha na coleira.
Pronto, já
disse o que vi e agora vamos à análise. Imagino que para aquelas pessoas tal
cena era absurda, como alguém poderia passear com uma galinha? Como seria
possível almoçar um delicioso frango e passear com a galinha depois disso?
Provavelmente a galinha tinha um nome, qual nome seria o mais correto para uma
galinha? Os jovens filmavam aquilo aos risos esperando o momento de postar na
internet e viralizar, sim a estupidez é viral.
Enquanto
seguimos nessa rua, quero te contar agora o lado oposto, vamos mudar de calçada
agora para facilitar a troca de perspectiva... não estou te chamando de
estupido, jamais! Ah sim, você não tinha pensado nisso, desculpe, às vezes me
empolgo com meus pensamentos.
Voltando a
velha senhora... Muitas crianças tiveram uma galinha como bicho de estimação, o
próprio nome já deixa livre a escolha. Eu posso ter uma lhama de estimação,
quem poderia me julgar? A senhora poderia morar sozinha e querer relembrar a
sua infância tendo essa galinha, chamaremos ela de Dolores, não... digo o nome
da galinha. A senhora poderia também ter recebido a Dolores como forma de
herança, ou ter sido o presente de alguém especial. O fato é que Dolores era
importante para a senhora, assim como um cachorro é importante para outros.
Imagine o
seguinte, há menos de 200 anos os cachorros tinham uma função de caça e guarda,
eles tinham essa função prática. Imagine só trazer um homem caçador dessa época
a uma festa de aniversário de cachorro? Imagine ele ver um pincher vestido de
rosa com um bolo feito de carne? Ele acharia um completo absurdo, talvez risse
fazendo também galhofas com o dono do cão. Imagine então, ver um cãozinho sendo
carregado como um bebê? Imediatamente acusaria de blasfêmia vociferando
palavrões e maldições. Talvez daqui a 200 anos ou menos as galinhas subam na
estima da humanidade e sejam tratadas de uma forma cuidadosa, como hoje as
pessoas cuidam de gatos e cachorros.
A Dolores
seria só mais uma criança e ser “mãe” de galinha ou galo não seria absurdo... Esse foi o sexto ou quinto ponto
decisivo da minha vida, perdi as contas, uma vez que fui tomado por esse
sentimento belo e sublime por ela. Digo, pela galinha.
Para terminar
o último ponto, vou ser suscinto. A situação era a seguinte, eu trabalhava em
um escritório, tinha um cargo de responsabilidade, preparei um material para
uma reunião importante com o diretor da empresa e o presidente de uma estatal.
Era o maior ponto da minha carreira, e confesso que o trabalho era
terrivelmente estressante. Resumindo a história, acidentalmente eu apaguei o
material que tinha demorado um mês para fazer. O que aconteceu? Comecei a
dançar Fashion do David Bowie, no meio do escritório enquanto chorava de
desespero, contrastando com a música feliz e animada. Ninguém entendia o que
estava acontecendo.
Vejo que
chegamos.
Perceba esse
belo entardecer. Existem tons de rosa, laranja, amarelo, azul e cinza. A beleza
feita pela poluição e raios de sol. Ali está a minha passagem. Sim é um buraco
que dá para um terreno baldio.
Você deve se
perguntar, qual a razão de eu estar desse lado do muro e conversando contigo de
cócoras através desse buraco. Estou assim, pois aqui é minha casa, desse lado
do muro.
Beba o café
por nós dois.
Fico aqui. Siga
seu caminho com aquela sensação incomoda de quem termina um livro e parece sair
de algum lugar e estar em outro, porque em menos de um minuto você não vai
estar aqui.
Foi um prazer
não conversar contigo.
Adeus.
quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021
!
O predador do ser humano moderno não é uma fera, é o futuro
A luta contra essa não-fera está no presente
O tacape é o agora
sábado, 17 de outubro de 2020
O Castelo
Meu castelo inalcançável
Sem lugar para chegar
Eu era o leão indomável
E o caçador a atirar
Por mais que o grito ecoe
Não plateia a aplaudir
O teatro desmorona
E nos escombros meu acorde
(Pré-refrão)
Eu perco os sentidos e as palavras
Eu
Sentido
Palavras
(Refrão)
Vórtice, colibri, mosaicos e fúria
No silêncio indiferente do universo
Nós nos inventamos
A estrela que eu vejo
Se apagou há muito tempo
E nessa escuridão
Uma nova já surgiu
sexta-feira, 9 de outubro de 2020
.
Gostaria que daqui a alguns anos uma pessoa que estivesse lendo um dos meus escritos, cutucasse o amigo ao lado e lesse pausadamente uma frase. Depois de terminada a leitura do trecho, ambos contorcessem os músculos da face como se tivessem levado uma martelada na cabeça.